sexta-feira, 30 de março de 2007

Iluminismo e o Liberalismo


Nos séculos XVII e XVIII, o capitalismo foi-se desenvolvendo rapidamente em alguns países da Europa. Esse desenvolvimento foi seguido por outro grande progresso nas técnicas de produção na sociedade e na política: a chamada Revolução Industrial, marcando a superação definitiva do feudalismo e caracterizando a hegemonia capitalista.
No século XVII, a burguesia assumiu o poder na Inglaterra e, no final do século XVIII, a burguesia francesa também assumiria o poder político em seu país.
O desenvolvimento das técnicas de produção proporcionou um grande desenvolvimento das Ciências Naturais. Para se expandir a produção, era necessário conhecer as propriedades da matéria. Verificou-se, então, um desenvolvimento considerável de ciências como a Mecânica, a Física e a Química. As Ciências Naturais desenvolviam o método experimental. Os cientistas decompunham as coisas em partes e estudavam cada parte isoladamente. Esta era a base do método analítico (estudo das partes de um todo), que foi introduzido também nas chamadas ciências humanas.
Os filósofos e cientistas desse período acreditavam que a utilidade da ciência e da Filosofia era dar ao homem o conhecimento e o domínio da natureza e da sociedade.
Importantes filósofos acreditavam que o mundo se baseava em dois elementos: a matéria e a consciência. A consciência ou razão humana é, pois, a única fonte de conhecimento da natureza e da vida em sociedade. Esse racionalismo (uso da razão) implicava numa crítica à fé como fonte de conhecimento. Os racionalistas, portanto, se punham contra a religião e a Igreja, vendo-as como um instrumento de ignorância e tirania. Alguns desses estudiosos eram mesmos ateus. A maioria, contudo, era deísta, isto é, acreditavam que existia um Deus, que só agiria indiretamente sobre os homens, através de leis naturais. Não haveria espaço para milagres: o universo era visto como gigantesco mecanismo de relógio, no qual Deus, o supremo relojoeiro, tinha dado corda.
Esses estudiosos, no plano da política, criticavam as instituições do Estado absolutista. Manifestavam-se pela restrição do poder real e criticavam também a política econômica do Mercantilismo, com a constante intervenção do Estado na economia, que limitava o direito de propriedade.
É a este movimento de renovação intelectual que damos o nome de Iluminismo, cujo início se deu na Inglaterra, no final do século XVII, tendo atingido seu apogeu na França no século XVIII (não por acaso chamado de “século das luzes”). Expandiu-se ainda pelo norte da Europa e influenciou a América. Compete esclarecer que comumente o Iluminismo é também chamado de liberalismo, o que, a rigor, não é muito correto, pois o liberalismo é sim uma corrente do Iluminismo na economia.

PENSADORES ILUMINISTAS

Os principais precursores dos iluministas são René Descartes (1596-1650), matemático e filósofo francês, defensor do método lógico e racional para construção do pensamento científico; e Isaac Newton (1642-1727), cientista inglês, descobridor de várias leis físicas, entre elas a da gravidade. Para Newton, a função da ciência é descobrir leis universais e enunciá-las de forma precisa e racional.
Os principais pensadores e filósofos, contudo, são John Locke (1632-1704); Voltaire, pseudônimo de François-Marie Arouet (1694-1778); Jean-Jacques Rousseau (1712-1778); Montesquieu, como é conhecido o escritor francês Charles Louis de Secondat, barão de La Brède e de Montesquieu (1689-1755); e Denis Diderot (1713-1784).

· John Locke (no retrato à cima)
Filósofo inglês, é considerado o “pai do Iluminismo”. Estuda Medicina, Ciências Naturais e Filosofia em Oxford, principalmente as obras de Bacon e Descartes. Participa da Revolução Inglesa, em 1688, que derruba o absolutismo e cria a monarquia parlamentar, na qual o “rei reina mas não governa” (quem governa é a burguesia). Passa vários anos na França e na Holanda. Volta à Inglaterra quando Guilherme de Orange sobe ao trono. Representa o individualismo liberal contra o absolutismo monárquico. Para Locke, o homem, ao nascer, não possui qualquer idéia e sua mente é como uma tábula rasa. O conhecimento, em decorrência, é adquirido por meio dos sentidos, base do empirismo, e processado pela razão. Em sua principal obra, Ensaio sobre o entendimento humano, de 1690, propõe que a experiência é a fonte do conhecimento, que depois se desenvolve por esforço da razão.

· Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)
Nasce em Genebra, na Suíça, mas se transfere para a França. É o iluminista mais radical, precursor das idéias socialistas, ao contestar a propriedade privada, e do Romantismo, ao afirmar o primado dos sentimentos sobre a razão. Fica órfão de mãe aos 10 anos de idade, é abandonado pelo pai, de origem calvinista, e entregue aos cuidados de um pastor. Em sua obra mais conhecida, O contrato social, defende um Estado voltado para o bem comum e a vontade geral, estabelecido em bases democráticas, ou seja, Rousseau propõe um Estado governado de acordo com a vontade geral do povo e capaz de oferecer igualdade jurídica a todos os cidadãos. No Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens (1755), outra de suas obras, realça os valores da vida natural e critica o mundo civilizado. Para Rousseau, o homem nasce bom e sem vícios – o bom selvagem – mas depois é pervertido pela sociedade civilizada. Defende a pequena burguesia e inspira os ideais da Revolução Francesa. No livro Emílio, apresenta seu projeto educacional para manter o homem bom.

· Voltaire (1694-1778)
O escritor e filósofo francês foi mais um defensor das liberdades civis que um reformador político. Viveu isolado por três anos na Inglaterra, onde foi influenciado pelas idéias de John Locke e de Newton. Ao regressar à França, publicou Cartas Filosóficas (1734) onde louvava os costumes e as instituições inglesas e atacava o despotismo da monarquia francesa, sendo perseguido por isso. Voltaire criticava as prisões arbitrárias, a tortura, a pena de morte e defendia a liberdade de expressão de pensamento. Era inimigo da Igreja Católica que chamava de "a infame" e defensor da religião natural, igual para todos os homens, sem doutrinas e os dogmas da religião cristã. Deísta, acreditava em Deus apenas como criador do universo, do qual é a causa e o princípio. Expulso de Paris, viveu na região da Lorraine, em Berlim e em Genebra, na Suíça. Em 1755, instalou-se em sua propriedade de Fernay, junto à fronteira da Suíça, onde morou até morrer, produzindo numerosos livros, peças teatrais, panfletos e cartas. Sua obra mais conhecida é Candide, fábula filosófica sobre a natureza do bem e do mal. Voltaire é um dos símbolos da liberdade de pensamento. Ficou famosa sua frase “Posso até não concordar com o que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-lo”. Lutava por uma monarquia que garantia as liberdades individuais, sob o comando de um soberano esclarecido.

· Enciclopedistas
Os filósofos franceses Denis Diderot (l713/1784) e Jean D’Alembert (1717/1783) organizaram a "Encyclopédie ou Dictionnaire Raisonné des Sciences, des Arts et des Métiers" (Enciclopédia ou Dicionário Racional das Ciências, das Artes e das Profissões), obra em 28 volumes que pretendia ser uma síntese completa aos conhecimentos filosóficos e científicos da época. Por essa razão, os iluministas também são conhecidos como “enciclopedistas”. A publicação da Enciclopédia sofre violenta campanha contrária da Igreja e de grupos políticos afinados com o clero. Entre 1751 e 1772 são publicados 17 volumes de texto e 11 de pranchas de ilustração. É de inspiração racionalista e materialista, propõe a imediata separação da Igreja do Estado e combate as superstições e as diversas manifestações do pensamento mágico, entre elas as instituições religiosas. Sofre intervenção da censura e condenação papal, mas acaba por exercer grande influência no mundo intelectual e inspira os líderes da Revolução Francesa. Os mais importantes colaboradores são: Montesquieu e Voltaire (Literatura), Condillac e Condorcet (Filosofia), Rousseau (Música), Buffon (Ciências Naturais), Quesnay e Turgot (Economia), Holbach (Química), Diderot (História da Filosofia), D’Alembert (Matemática).



DESPOTISMO ESCLARECIDO

As idéias racionalistas e iluministas influenciam alguns governantes absolutistas, que pretendem governar segundo a razão e o interesse do povo, sem abandonar, porém, o poder absoluto. Os mais célebres são: Frederico II, da Prússia; Catarina II, da Rússia; o marquês de Pombal, ministro português; e Carlos III, da Espanha. Eles realizam reformas que ampliam a educação, garantem a liberdade de culto, estimulam a economia, fortalecem a igualdade civil, uniformizam a administração pública, introduzem a separação dos poderes judicial e executivo, mas mantêm a servidão da gleba e a autocracia, aguçando as contradições sociais e políticas.

· Governo de Frederico II, da Prússia – Acontece de 1740 a 1786. Influenciado principalmente pelas idéias de Voltaire, permite liberdade de culto aos prussianos e torna obrigatório o ensino básico. Acaba com a tortura aos criminosos e organiza novo código legal. Permite a liberdade de expressão e estimula a construção e o desenvolvimento da indústria. Apesar dessas mudanças, a Prússia mantém o regime feudal.
· Governo de Catarina II, da Rússia – No poder de 1762 a 1796 e, apesar de manter contato com muitos filósofos do Iluminismo, muda muito pouco a estrutura social e econômica da Rússia. Constrói escolas e hospitais e estimula a influência da cultura francesa na vida cultural do país. Autoriza a liberdade de culto e submete a Igreja Ortodoxa ao Estado. A situação dos servos, porém, só piora, principalmente quando os proprietários conseguem ter o direito de condená-los à morte.
· Governo de José II, da Áustria – Pode ser considerado o padrão de déspota esclarecido. Governa de 1780 a 1790 e nesse período acaba com a escravidão no país, dá liberdade de culto religioso e garante emprego aos não-católicos. Promove a igualdade de todos perante a lei e às tarifas e reordena a estrutura de organização do Império. Introduz o serviço militar obrigatório e moderniza o Exército.
· Marquês de Pombal (1699-1782), como é conhecido Sebastião José de Carvalho e Melo, estadista português que se destaca pela atuação como déspota esclarecido durante o governo de Dom José I. Estuda Direito, História e Política. É nomeado secretário dos Negócios Estrangeiros em 1750 e, em pouco tempo, adquire poderes absolutos por quase 30 anos. Fortalece o monopólio comercial e equilibra a balança comercial portuguesa. Reconstrói Lisboa, destruída pelo terremoto de 1755, e transforma a capital em uma cidade moderna. Expulsa os jesuítas de Portugal e das colônias por se oporem às suas reformas educacionais. Abre Portugal para a influência do Iluminismo. Moderniza o ensino, cria a Imprensa Régia, bibliotecas e indústrias. Regulamenta o salário dos camponeses e o tamanho das propriedades rurais. Contestado por praticamente toda a nobreza e pelas elites coloniais, é obrigado a se demitir com a morte de Dom José I, em 1777.

AS CARACTERÍSTICAS DO ILUMINISMO

· O Iluminismo é deísta, isto é, acredita que existe um Deus. Esse Deus só agiria indiretamente sobre os homens, através de leis naturais. Não haveria espaços para milagres. O universo era visto como gigantesco mecanismo de relógio ao qual Deus, o supremo relojoeiro, tinha dado corda. Deus seria entendido através da razão. É o Iluminismo, por outro lado, anticlerical, pois nega a necessidade de intermediação da Igreja entre o homem e Deus e prega a separação entre Igreja e Estado. Afirma que as relações sociais, como os fenômenos da natureza, são reguladas por leis naturais – daí se entende a oposição ainda hoje existente da Igreja Católica ao Iluminismo (essa religião era associada profundamente ao feudalismo).
· Para os teóricos do Iluminismo o homem é naturalmente bom e todos nascem iguais. É corrompido pela sociedade, em conseqüência das injustiças, opressão e escravidão. A solução é transformar a sociedade, garantindo a todos a liberdade de expressão e culto e fornecendo mecanismos de defesa contra o arbítrio e a prepotência. O Iluminismo igualmente defende o individualismo.
· Colocou a razão humana como guia do conhecimento e ação do homem: o uso da razão humana era considerada a forma autêntica para a compreensão da natureza e da sociedade. O conhecimento e o domínio da natureza eram condições básicas da liberdade humana.
· O pensamento liberal propõe o direito de representação dos indivíduos, sustentando que neles, e não no poder dos reis, encontraria‑se a soberania. Esta é compreendida como o direito de organizar a nação a partir de uma lei "básica e magna", a Constituição. Todos seriam iguais perante as leis.
· A organização da sociedade deve ser norteada pelo princípio da busca da felicidade. Cabe ao governo garantir os “direitos naturais”: liberdade individual, direito de propriedade, tolerância, igualdade perante a lei. A doutrina do liberalismo político substitui a noção de poder divino dos reis das monarquias absolutistas (o “rei era governante por vontade divina”) pela concepção do Estado como criação do homem e entregue ao soberano mediante um contrato, o contrato social. O não cumprimento desse contrato dá aos governados o direito à insurreição.
· Formas de governo: alguns iluministas, como Montesquieu e Voltaire, têm como modelo a monarquia inglesa – o rei não seria obviamente absolutista, mas sim submetido às leis. Outros, como Rousseau, preferem uma república com fundamentos éticos, na qual os governantes são eleitos para ficar no poder por certo período (mandato).
· Defende igualmente a famosa "tripartição das funções" do Estado, ou seja, a existência de 3 poderes estatais harmoniosos e independentes (Executivo, Legislativo e Judiciário), do que bem tratou Montesquieu
O Iluminismo, embora pregasse a liberdade para todos, acabou tornando-se a ideologia da burguesia em ascensão. Na medida em que criticou o Estado absolutista e a política econômica do mercantilismo, preconizando a igualdade dos poderes e a liberdade de propriedade, representou a teorização dos interesses econômicos e políticos da burguesia. Daí porque, com a vitória das revoluções burguesas e do capitalismo, ocorreu uma divisão entre liberalismo e democracia ao longo do século XIX. Os democratas defendiam o voto universal, isto é, o direito de representação conferido a todos os cidadãos de um país, independente de condição social, sexo, cor ou religião, ou mesmo a democracia direta, ou seja, o direito de participar da vida política sem conferir mandato a ninguém. Os liberais trataram, a princípio, de limitar a representação, conforme critérios principalmente econômicos: para eles, só os proprietários, com um certo nível de renda (em outras palavras, a elite econômica) poderiam votar ou ser votados, pois às demais pessoas faltaria “independência” para o exercício desses direitos. Como conseqüência, há uma desilusão das classes populares em relação ao liberalismo. Estas, então, vão adotar uma nova ideologia, antiliberal e anticapitalista, o socialismo.

TEORIA ECONÔMICA

A crítica dos iluministas ao Estado Absolutista atingiu também a política econômica desse regime, caracterizada pelas práticas mercantilistas da intervenção do Estado na economia, dos monopólios comerciais, do trabalho escravo e servil. Passou-se a sustentar o contrário, que o Estado não deve interferir no mercado, que se regularia naturalmente, pela concorrência ("lei da oferta e da procura") e aptidões pessoais dos indivíduos, como se houvesse uma "mão invisível" a controlá‑lo. O Estado limitar‑se‑ia a garantir segurança e educação dos indivíduos. Defende-se igualmente a livre iniciativa e o livre comércio.
Assim, a ciência econômica refletiu as transformações gerais que ocorriam na sociedade. Surgiram duas correntes principais no pensamento econômico: A Escola Fisiocrática e a Escola do Liberalismo Econômico.

FISIOCRACIA

Os fisiocratas (de fisio, natureza; crato, governo, portanto governo da natureza) afirmavam que a verdadeira fonte de riqueza de uma nação era a terra, sendo a agricultura a principal atividade econômica. A indústria e o comércio apenas transferiam riquezas já existentes de uma pessoa para outra. Assim como o universo e o corpo humano eram regidos por leis naturais, a economia também o era, tornando-se pois desnecessária qualquer regulamentação feita pelo Estado. O lema dos fisiocratas era: laissez faire, laissez passer, le monde va de lui-même (“deixa fazer, deixa passar, o mundo gira por si mesmo”). A Escola Fisiocrática, defendia, na prática, um capitalismo agrário.
Para Quesnay, o principal economista da escola fisiocrática (autor do livro Quadro Econômico), a sociedade de compunha de três classes: a classe produtiva (formada pelos agricultores), a classe estéril (que engloba todos os que trabalham fora da agricultura (indústria, comércio e profissões liberais) e a classe dos proprietários de terra (na qual estava o soberano e os recebedores de dízimos, o clero).
A classe produtiva os meios de subsistência e matérias primas. Com o dinheiro obtido, ela paga o arrendamento da terra aos proprietários rurais, impostos ao Estado e os dízimos; e compra produtos da classe estéril – os industriais. No final, esse dinheiro volta à classe produtiva, pois as outras classes têm necessidade de comprar meios de subsistência – matérias primas. Dessa maneira, ao final, o dinheiro retorna ao seu ponto de partida, e o produto se dividiu entre todas as classes, de modo que se assegura o consumo de todos.
Para os fisiocratas, a classe dos lavradores era a classe produtiva, porque o trabalho agrícola era o único que produzia um excedente, isto é, produzia além das suas necessidades. Este excedente era comercializado, o que garantia uma renda para toda a sociedade. A indústria não garantia uma renda para a sociedade, visto que o valor produzido por ela era gasto pelos operários e industriais, não criando, portanto, um excedente e, consequentemente, não criando uma renda para a sociedade.
Para Quesnay, era necessário que houvesse uma liberdade de comércio para garantir um bom preço dos produtos. Com isso, criticava o regime de monopólios comerciais do mercantilismo.

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