quarta-feira, 21 de março de 2007

Atualidades

China tenta conter a degradação ambiental e busca desenvolvimento sustentável

José Reinoso em Pequim

O desenvolvimento a qualquer preço já não serve. Depois de quase três décadas de avanço vertiginoso, o governo chinês quer frear a degradação ambiental e inclinar-se para um modelo sustentável que garanta o futuro da economia em longo prazo. Foi o que afirmou no dia 05/03/2007 o primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, na abertura da sessão anual da Assembléia Popular Nacional (ANP). Wen disse que Pequim fará mais esforços para poupar energia, reduzir a poluição e melhorar a eficiência e a qualidade do crescimento.O governo também se comprometeu a dar mais apoio à educação, melhorar o precário sistema de saúde e reduzir as desigualdades sociais. Durante o discurso pronunciado no ano passado, Wen já indicou a necessidade de dar mais atenção ao meio ambiente, mas ontem foi mais incisivo e dedicou mais tempo ao problema. "Nosso modelo de crescimento econômico é ineficaz. Isso pode ser visto claramente no consumo excessivo de energia e na grave poluição ambiental", disse. "Devemos evitar buscar só um crescimento mais rápido."A China não conseguiu atingir em 2006 as metas de controle ambiental que se havia proposto. O governo acusa alguns funcionários locais - obcecados pelo desenvolvimento de suas províncias - de saltar etapas para atingir as metas, e por isso Wen afirmou que será preciso aplicar medidas estritas. "Vamos implantar um sistema de supervisão mais eficaz e puniremos com decisão qualquer ato que viole as leis e os regulamentos", indicou.Mas não será fácil. O país cresce há anos em um ritmo que beira os 10% anuais sem dar muita atenção ao custo ecológico, e apesar de o primeiro-ministro ter dito que espera um aumento do PIB de 8% para este ano reconheceu que se trata só de um número com fins orçamentários, que pode variar "uma certa quantidade sobre o estabelecido". Há anos Pequim usa estimativas que são tradicionalmente superadas.A intervenção de Wen, que foi interrompido diversas vezes pelos aplausos dos quase 3 mil deputados de todo o país reunidos no auditório do Grande Palácio do Povo, deixou transparecer, porém, certa satisfação pela evolução da economia, uma vez que parecem controlados os riscos de superaquecimento que flutuavam sobre o país no ano passado. O plano, agora, segundo ele disse, é reequilibrar o modelo e promover o consumo interno ao mesmo tempo em que se mantêm as exportações, que, segundo o primeiro-ministro, deverão continuar sendo um dos motores da atividade e do emprego. A apresentação do relatório sobre o trabalho do governo em 2006 e as metas para 2007 consistiu em uma compilação de iniciativas já anunciadas, em que houve pouco espaço para a política interna e a internacional. O desenvolvimento de uma "sociedade harmoniosa" - termo que também empregou para se referir à visão que a China tem do mundo, que, segundo Wen, atravessa uma situação "incerta e complicada" - e a redução das desigualdades sociais - que não deixam de aumentar, apesar de Pequim afirmar que uma de suas prioridades é diminuí-las - também ocuparam boa parte da intervenção, que durou duas horas e 15 minutos. Wen disse que o governo vai se esforçar para melhorar a renda no campo, onde vivem dois terços da população; criar uma rede de seguridade social e estabelecer um sistema de saúde nas áreas rurais, nas quais 90% da população não têm qualquer tipo de seguro nem acesso aos médicos, devido ao custo. A imensa maioria dos cidadãos chineses carece de cobertura de saúde, num país onde a medicina é paga, seja pública ou privada. Pequim continuará o plano de estender a gratuidade dos nove anos de educação obrigatória às zonas rurais, o que permitirá aliviar a pressão financeira para um total de 150 milhões de famílias, segundo Wen. O governo também prometeu aumentar os gastos em aposentadorias e outras formas de seguridade social. Como ocorre todos os anos nesta época, as autoridades reforçaram as medidas de segurança para evitar possíveis protestos das centenas de cidadãos de todo o país que costumam ir a Pequim para tentar apresentar suas queixas aos parlamentares. Cerca de 500 mil pessoas, muitas delas aposentadas e desempregadas, foram mobilizadas para controlar a população. As ruas próximas à Praça Tiananmen foram bloqueadas. Centenas de políciais de uniforme e à paisana examinavam os bolsos dos que se aproximavam da entrada da Cidade Proibida, e revistavam os bolsos dos que pareciam agricultores e poderiam esconder panfletos para atirar na praça. Na capital, dissidentes e ativistas estão submetidos a vigilância. 300 milhões sem água potável desde que Deng Xiaoping lançou o processo de abertura e reformas em 1978, a economia chinesa cresceu numa média anual de 9,7%. Milhares de fábricas, arranha-céus, infra-estruturas. O país experimentou uma transformação de um tamanho e uma velocidade sem precedentes na história da humanidade. A China tornou-se a quarta economia do mundo e centenas de milhões de pessoas saíram da pobreza nesses anos. Mas a fatura ambiental foi da mesma magnitude. Um terço do território está afetado pela chuva ácida, 70% dos rios estão contaminados, dois terços dos líquidos residuais urbanos não são tratados, 300 milhões de pessoas não têm acesso à água potável e 400 mil pessoas experimentam a morte prematura por ano por causa da poluição do ar. Segundo o Departamento Estatal de Proteção Ambiental, 11 das maiores cidades chinesas, incluindo Pequim, experimentaram graves problemas de poluição em mais de 30% dos dias do ano passado, afetando a saúde de 15 milhões de pessoas. O Banco Mundial afirma que a poluição custa à China entre 8% e 12% do PIB anualmente.Com o objetivo de conter a situação, o governo tomou medidas. O plano qüinqüenal para o período 2006-2010, aprovado pelo Parlamento no ano passado, estabelece metas concretas como a diminuição em 20% do consumo de energia por unidade de PIB e um corte de 10% da descarga dos "principais poluentes". Trata-se, segundo Pequim, de "melhorar a qualidade do desenvolvimento" e torná-lo "mais sustentável". Mas em 2006, o primeiro ano do plano, a China não conseguiu cumprir a parte que lhe cabia no exercício para alcançar esses objetivos. O consumo de energia por unidade do PIB diminuiu 1,23%, contra os 4% que deveria ter caído, e a descarga dos "principais poluentes" subiu mais de 1%, quando deveria ter sido reduzida em 2%. Envolvidos numa competição para desenvolver suas províncias, seja qual for o preço, os dirigentes locais e empresários ignoram freqüentemente as normas, gerando poluentes que acabam nos rios, lagos, mar e ar sem tratamento prévio. Pequim quer quadruplicar o PIB entre 2000 e 2020, com o objetivo de continuar melhorando o nível de vida da população. Mas os especialistas consideram que se as autoridades não sacrificarem quantidade em troca de qualidade as metas de melhora ambiental definidas - como, por exemplo, que até 2020 todo o país tenha acesso a água segura para beber - serão difíceis de alcançar. A Agência Internacional de Energia afirma que o país asiático - que obtém 70% de sua energia de centrais térmicas que queimam carvão e que construiu mais 117 delas no ano passado - poderia superar os EUA em 2009 como principal emissor de gases do efeito estufa, uma questão que também começou a preocupar os dirigentes chineses, que temem que o aquecimento global represente uma ameaça para a prosperidade e a estabilidade do país. Pequim, no entanto, disse que os principais responsáveis pela situação atual são os países mais desenvolvidos e que a solução está nas mãos deles. O governo afirma que gastará mais para pesquisar o aquecimento global, mas que não tem dinheiro ou tecnologia para reduzir significativamente a emissão de gases do efeito estufa.

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