quarta-feira, 21 de março de 2007

Revendo o 8 de março (por Bruno Lima Rocha)

O Dia Internacional da Mulher se aproxima e vale uma discussão sobre
qual o seu atual significado. Sem parecer professoral nem sectário,
quero aproveitar a oportunidade para rever um ponto de vista por vezes
esquecido. Pouco ou nada se fala do processo de lutas sociais que
resultou nesta data. O 8 de março foi uma construção histórica,
confluindo o movimento operário pela luta sufragista. No caso das
mulheres do chão de fábrica, sem nenhum exagero, a data é de martírio.

A história da humanidade é marcada por saltos e rupturas. Correspondendo
ao nível ideológico, datas carregam o peso simbólico de galvanizar
anseios de uma sociedade e civilização. Tal como o 1º de Maio,
transformado em Dia do Trabalho pela ditadura do Estado Novo, a mesma
alteração de significado é sofrida no 8 de março. Rever a historia da
formação da classe trabalhadora industrial ajuda a compreender o
processo social que culminou na tragédia e futura vitória.

Corria o ano de 1857 e a categoria das tecelãs, hoje conhecidas como
operárias têxteis, cumpria mais de 16 horas de jornada de trabalho
diárias. Não apenas trabalhavam muito, como recebiam um terço da
remuneração masculina. Além do salário de miséria e a ausência de
direitos trabalhistas, sofriam humilhações e vexames, como revistas de
corpo inteiro e espancamentos promovidos por capatazes e encarregados. O
local, uma fábrica de tecidos no estado de Nova York, Costa Leste dos
Estados Unidos da América.

Fruto deste cotidiano, as tecelãs inauguraram a modalidade da primeira
manifestação exclusivamente promovida por mulheres. Saíram para a rua e
receberam uma carga de cavalaria como resposta do Estado. Retornaram
correndo para dentro da fábrica tomada e sob seu controle. A resposta da
ocupação fabril foi ainda mais dura do que o pisoteamento pelos cavalos
e os golpes de sabres. Com a autorização dos proprietários da indústria,
ainda movida a vapor, a autoridade policial ateou fogo na área. O
resultado foi o assassinato de 129 operárias carbonizadas.

Já no século XX, duas reuniões européias, promovidas pela Conferência
Internacional das Mulheres Socialistas marcam a reivindicação pela data.
Em 1910, é tomada a decisão de comemorar este dia como sinal de protesto
pelas condições de trabalho das mulheres e na luta pelo direito ao
sufrágio universal sem distinção de gênero. Em 1911, atos simultâneos
promovidos em dezenas de cidades consagram a data. No cenário da
política operária, representa uma nítida vitória das sufragistas.

A consagração veio nas marchas da Rússia, durante o governo provisório.
O fruto da participação das tropas Czaristas na 1ª Guerra Mundial
rendera o saldo de mais de 2 milhões de soldados russos mortos. Uma
campanha promovida em 1917, coordenada por mulheres, esposas, irmãs,
mães e parentes destes conscritos exigia a consigna de “Pão e Paz”. O
resultado tático foi a conquista do direito ao voto universal, meses
antes da vitória bolchevique. A coincidência dos dias veio a consagrar a
data atual. Em 23 de fevereiro, segundo o calendário Juliano, foi
conquistado o sufrágio universal na Rússia. Esse dia corresponde ao 8 de
março no calendário Gregoriano.

Já em dezembro de 1977, após uma intensa campanha, onde as mulheres
mineiras da Bolívia tiveram um papel preponderante, a Assembléia Geral
da ONU proclama este como o Dia Internacional da Mulher. Desde então,
como data oficial, a peleia por sua significação acontece em diversos
âmbitos.

É interessante observar que a disputa dentro do movimento de mulheres
ocorre desde o século XIX. Inicialmente entre sufragistas e classistas.
Ou seja, entre àquelas que queriam o acesso ao direito de voto e a
participação na democracia liberal, e as que tinham como meta primeira a
conquista dos direitos das mulheres trabalhadoras. Muitas vezes, as
causas se mesclavam em franca união. Noutras, gerou grandes cisões.

No caso brasileiro, não seria exagero afirmar que a luta contemporânea
das mulheres ocorre no universo das lutas operárias das primeiras
décadas do século XX. Pautas ainda hoje polêmicas, como as que dizem
respeito ao comportamento, foram iniciadas nos idos de 1906. Se sempre
existiram rebeldes e transgressoras da ordem patriarcal, a expressão
organizada veio do cotidiano de fábricas, vilas e cortiços.

A causa e a questão merecem muito mais do que poucas linhas históricas.
Tampouco, nenhuma das informações aqui narradas são algo novo. O que
sempre podemos dizer é que a redescoberta, mais do que uma revisão
intelectual, é o fruto da correlação de forças. Esta sim é a novidade,
retomada com a luta e as ações simbólicas promovidas pelas mulheres da
Via Campesina, ao longo dos quatro últimos anos e com ênfase em 2006.

Não quero entrar no mérito da ação em si, mas de seu significado. A
mensagem é perceptível, e trás a reclamação de que para a maioria das
mulheres, a dupla jornada, tornou-se tripla, uma vez que boa parte delas
também tem de ser chefe e arrimo de família. O país que precisa de uma
Lei Maria da Penha para coagir suas próprias instituições a funcionarem,
está anos luz de distância da igualdade de gênero como causa resolvida.

Esta é a atualidade do dia 8 de março.

Bruno Lima Rocha é cientista político

O Dia Internacional da Mulher é celebrado a 8 de Março de todos os anos. É um dia comemorativo para a celebração dos feitos econômicos, políticos e sociais alcançados pela mulher.
A idéia da existência de um dia internacional da mulher foi inicialmente proposta na virada do século XX, durante o rápido processo de industrialização e expansão econômica que levou aos protestos sobre as condições de trabalho. As mulheres empregadas em fábricas de vestuário e indústria têxtil foram protagonistas de um desses protestos em 8 de Março de 1857 em Nova Iorque, em que protestavam sobre as más condições de trabalho e reduzidos salários.
Este fato levou à uma versão distorcida dos fatos, misturando este evento com o incêndio na fábrica da Triangle Shirtwaist, que também aconteceu em Nova Iorque, em 25 de março de 1911, onde morreram 146 trabalhadoras. Segundo esta versão, 129 trabalhadoras durante um protesto teriam sido trancadas e queimadas vivas. Este evento porém nunca aconteceu e o incêndio da Triangle Shirtwaist continua como o pior incêndio da história de Nova Yorque.
Muitos outros protestos se seguiram nos anos seguintes ao episódio de 8 de Março, destacando-se um outro em 1908, onde 15.000 mulheres marcharam sobre a cidade de Nova Iorque exigindo a redução de horário, melhores salários, e o direito ao voto. Assim, o primeiro Dia Internacional da Mulher observou-se a 28 de Fevereiro de 1909 nos Estados Unidos da América após uma declaração do Partido Socialista da América. Em 1910, a primeira conferência internacional sobre a mulher ocorreu em Copenhague, dirigida pela Internacional Socialista, e o Dia Internacional da Mulher foi estabelecido. No ano seguinte, esse dia foi celebrado por mais de um milhão de pessoas na Áustria, Dinamarca, Alemanha e Suíça, no dia 19 de Março. No entanto, logo depois, um incêndio na fábrica da Triangle Shirtwaist mataria 140 costureiras; o número elevado de mortes foi atribuído às más condições de segurança do edifício. Além disto, ocorreram também manifestações pela Paz em toda a Europa nas vésperas da Primeira Guerra Mundial.
Na Rússia, as comemorações do Dia Internacional da Mulher serviram de estopim para a Revolução russa de 1917. Depois da Revolução de Outubro, a feminista bolchevique Alexandra Kollontai persuadiu Lenin para torná-lo num dia oficial que, durante o período soviético permaneceu numa celebração da "heróica mulher trabalhadora". No entanto, o feriado rapidamente perderia a sua vertente política e tornar-se-ia numa ocasião em que os homens manifestavam a sua simpatia ou amor pelas mulheres da sua vida — um tanto semelhante a uma mistura dos feriados ocidentais Dia das Mães e Dia dos Namorados. O dia permanece como feriado oficial na Rússia (bem como na Bielorrússia, Macedônia, Moldávia e Ucrânia), e verifica-se pelas ofertas de prendas e flores dos homens às mulheres (quaisquer mulheres). Quando a Tchecoslováquia integrou o Bloco Soviético, esta celebração foi apoiada oficialmente. No Ocidente, o Dia Internacional da Mulher foi comemorado durante as décadas de 1910 e 1920, mas esmoreceu. Foi revitalizado pelo feminismo na década de 1960. Em 1975, designado como o Ano Internacional da Mulher, a Organização das Nações Unidas começou a patrocinar o Dia Internacional da Mulher.

Nenhum comentário: